Recolhas de José Alberto Sardinha
Em Penafiel subsistiram até hoje alguns elementos do costume antigo das festividades do Corpus: a cavalhada da véspera, com actuação das danças e a serpe; as danças populares no dia da Festa, porém fora da procissão: Bailes dos Ferreiros, dos Pedreiros, das Floreiras, dos Turcos, dos Pauzinhos e dos Pretos; na procissão, novamente a serpe, o boi bento, o Estado de S. Jorge. Possui também novos elementos que ao longo do tempo confluíram para esta manifestação: o cortejo do carneirinho, na véspera da parte da manhã, e a figura da cidade, tanto na Cavalhada como na procissão, aqui no topo do carro triunfal, acompanhado de anjinhos. Todos eles são importantes e de todos falaremos, mas com a atenção naturalmente direccionada para as danças, sobre as quais recaíu o nosso trabalho de campo e que são o verdadeiro objecto deste livro.
Penafiel pode orgulhar-se de ser a única localidade em todo o país que soube conservar até aos nossos dias as danças tradicionais do Corpo de Deus, essas tão ricas e belas manifestações de religiosidade popular, as quais, pela sua singularidade actual, assumem um carácter emblemático das festividades do Corpus Christi penafidelense e até identitário para as gentes da antiga e honrada Arrifana do Sousa.
É certo que, não sendo o Corpus Christi uma tradição gerada em Penafiel, é mais que certo ser Penafiel a única cidade e concelho que mantem vivas, no contexto nacional, tais manifestações religioso-populares que nasceram na longínqua idade média.
Nós, gestores da cidade deste tempo, sempre acreditamos num modelo de desenvolvimento da nossa comunidade sintonizada com os próprios valores culturais. Por isso, nos dedicamos afincadamente à preservação do património e das referências identitárias. Acreditamos no seu potencial de reforço do sentido de pertença a uma comunidade.
É nesse quadro que se insere o renascimento dos bailes que se mantinham na memória de muitos, mas que o tempo conduziria inevitavelmente para o baú do esquecimento.
Agradeço a todos os que connosco colaboraram para esse objetivo: pessoas, associações e entidades, que ao longo deste livro serão reveladas.
A par da revitalização dos bailes, também este livro se tornará num importante documento para o conhecimento e compreensão da nossa História e das nossas ricas tradições.
Alberto Santos, Presidente da Câmara Municipal de Penafiel, in Introdução
É do maior interesse e oportunidade o trabalho que o Dr. José Alberto Sardinha agora dedica às festas do Corpo de Deus em Penafiel, na sequência do fecundo labor com que tem valorizado o nosso património cultural popular. Escrevo “popular” no sentido mais original e autêntico da palavra, referindo o que é de nós todos, os portugueses, e daqueles que connosco vieram ou vêm conviver.
Isto mesmo se particulariza com as festas do Corpo de Deus em Penafiel, como foram, persistem e ressurgem. Sobrevêm duma Idade Média a vários títulos distante. Éramos então um povo que esquecemos, mais visual do que conceptual, mais tátil do que reflexivo, mais ouvinte do que lente.
Também mais vizinho do que aglomerado, mais rural do que urbano ou suburbano, mais familiar e grupal do que individual e subjetivo. Nem melhor nem pior, éramos realmente diferentes. Do que herdámos, usamos pouco, quase como das antigas arcas de quando havia sótãos.
- Manuel Clemente, Cardeal-Patriarca, in Prefácio.