Diz-se que na Poesia está a chave para compreender a vida e agir com a sabedoria que transforma para melhor este nosso perturbado Mundo. Talvez a Música também seja merecedora desse nobre desígnio. Uma e outra são para serem ouvidas, lidas e tocadas em “alta voz”, podendo resultar no despertar das emoções que nos ajudam a ler e descodificar o que é complexo, contraditório, tantas vezes difícil, mesmo inacessível, a uma explicação racional.
Uma felizmente longa vida do artífice principal deste trabalho, de seu nome José Manuel David, permite-nos aceder a uma escolha criteriosa de músicas das várias “vidas” e percursos do seu autor. E dos muitos Mestres que o ajudaram a ser capaz de distinguir o essencial do acessório, a procurar o saber pensar e fazer música, com a humildade presente apenas em quem sabe ser sempre possível fazer melhor.
Aprendemos com quem sabe ensinar. Não basta saber, é preciso acreditar em quem procura conhecer. E a primeira Mestra que terá sido decisiva para o José David foi a Matilde Taveira Santos, violinista, que tinha descoberto o mistério das flautas de bambu nos cursos da Fundação Gulbenkian, muito depois de ter 70 anos. E contra tudo o que se pensava ser possível ensinar a crianças cegas e de baixa visão, pô-las a construir flautas com ferramentas e uns milagrosos escantilhões que inventou, no Centro Helen Keller em Lisboa. Serrotes, limas e grosas, lixas e tantos mais perigosos instrumentos deram a muitas crianças a certeza de que tudo se consegue. Basta acreditar.
De uma autorizada biografia breve de José David, citamos: “Aos 13 anos, inicia a sua carreira musical com um concerto na Casa da Comédia, actuando como músico e como maestro de um grupo de alunos da Escola Francisco Arruda, que frequentava então.” A decisão de ir para o Conservatório em 1976, quando nessa vetusta casa se considerava que aos 20 anos não havia lugar para ele, permitiu- lhe obter o Curso Geral do Conservatório em 1982, que na altura incluía as valências de Harmonia (corais) e Baixo cifrado, abrindo-lhe as portas do ensino como professor de música do 2º ciclo e uma decisiva estabilidade financeira que o iria libertar para o que mais desejava, fazer e compôr música. Francisco Fernandes, foi o músico que o ajudou a superar os obstáculos decorrentes da sua condição de invisual mesmo depois de terminado o Conservatório. E dos professores que mais o ajudaram destaca a Prof. Carmo Norton. Da licenciatura obtida em Filologia Germânica em 1981 na Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa, nada a destacar, para além do sério risco de se ter perdido um excelente músico e ganho mais um professor de germânicas.
A revolução de 25 de Abril de 1974 iria espevitar uma já presente consciência do muito que havia por fazer quando tudo parecia possível. A Juventude Musical Portuguesa e o Francisco D´Orey, que dirigia o Coro da JMP, a Maria Lamas Pimentel, a Tita, como carinhosamente a tratávamos, e todos os que criámos o Grupo de Música Activa, foram o início de um mais do que virtuoso encontro com a cultura portuguesa, nas edições de Michel Giacometti, nas publicações e arranjos de Fernando Lopes-Graça, na descoberta de um Portugal calcorreado a pé, em que se confirmava existirem aquelas pessoas, aldeias, festividades e celebrações presentes nos filmes e discos de vinil. Com a vantagem de poderem ser encontradas nas suas aldeias e vilas, com uma infinita paciência para aturar aqueles jovens que tudo queriam saber, por vezes sem se darem conta que lhes estavam a roubar um tempo precioso das tarefas diários do seu sustento. E ainda os albergavam, ofereciam-lhes vitualhas cujo sabor e aroma lhes ficaram para toda a vida.