Edição de luxo em digipak com livreto trilingue (português, ingles e patois) de 116 páginas a cores.
O primeiro impacto para um lusófono que hoje (1998) chegue a Macau é por certo denotar com alguma estranheza a precariedade da presença de traços culturais de influência portuguesa, essencialmente no domínio linguístico. Ouvir falar o português parece ser algo apenas acessível a quem tenha algum familiar ou amigo que o conduza pelos pequenos espaços que ainda são ocupados pela comunidade portuguesa aí residente. Porém nem sempre as coisas foram assim. Tempos houve em que Macau foi um espaço de presença lusófona notória. Sabemos que os Portugueses nunca foram, na história de Macau, uma maioria populacional, no entanto, o seu domínio político e administrative permitiu-lhes marcar e vincar uma “singularidade” peculiar da lusofonia, traduzindo-se na conquista e influência de espaços privilegiados que vão desde as referências arquitectónicas à sua interferência nos hábitos e costumes da malha social que a compunha. Nesta última, é por certo de referir a importância dos denominados Macaenses “Filhos da terra”, enquanto produto da herança miscigenada do cruzamento luso-asiático que se perpetuou no tempo e no espaço, através de gerações sucessivas que nunca negaram a sua identidade portuguesa. O papel dos dialectos crioulos, também conhecidos por “patuá,” são sem dúvida uma das formas de expressão das adaptações culturais de influência múltipla e variada. Regra geral, essas formas de expressão tendem a espelhar uma sonoridade peculiar em que a predominância de uma determinada língua materna pode ser alterada e, por vezes adulterada, por uma situação de contexto, ganhando significado na expressão verbal de quem a pratica e sentido lógico nessa contextualização. É pois neste sentido que a referência ao “patuá macaísta” também ganha forma.
Óbvio é, que não cabe aqui tecer grandes comentários sobre as origens ou a estrutura linguística deste “patuá” tão característico que ainda hoje prevalece um pouco pelas casas dos macaenses mais tradicionais. Toda a produção registada (e da qual temos conhecimento) em “patuá macaísta” gravita em torno de duas dominantes temáticas – a nostalgia e o satírico – o que revela desde já a sua componente na intervenção social que, como é sabido, elege estas duas formas de acção para provocar quer o enaltecimento do sentimento de pertença, quer a crítica social. O referencial do “patuá” na identificação dos traços da presença lusófona em Macau é por si só quase que um elemento aglutinador das possibilidades de análise que esta temática nos levanta. Os próprios temas incluídos na colectânea que agora se apresenta são também disso ilustrativos. Seria quase impossível dar lugar á edição de um disco que evocasse a presença de sonoridades particulares e “sui generis” da influência portuguesa nesta viagem dos sons, que passa também por Macau, se não tivesse existido este crioulo falante e cantante que agora apresentamos. No que se refere á sua importância enquanto elemento de identificação cultural basta referir que ainda hoje há quem considere que para se “ser macaense” tem que se saber falar “patuá”, enfatizando, deste modo, o processo de enculturação, na aprendizagem deste requisito de distinção. É também notório que o “patuá macaísta” cumpre um papel na forma de exteriorização e diferenciação do grupo perante os outros, permitindo-lhes falar numa língua que só “os de dentro” conhecem. Daí as reminiscências ainda visíveis de uma certa categorização do carácter ostracista da comunidade macaense. Vejamos agora, um pouco mais em detalhe, alguns factos mais relevantes que contribuíram para a miscigenação cultural de Macau e, por consequência, as próprias bases culturais em que assenta o “patuá macaísta”.