JOSÉ AFONSO e ADRIANO CORREIA DE OLIVEIRA
dois livros / dois génios
José Afonso (Aveiro 1929 -Setubal 1987) e Adriano Correia de Oliveira (Porto 1942 -Avintes 1982) foram na nossa area musical duas das suas figuras máximas, preponderantes e também de vital importância na chamada música portuguesa de texto, que alguns poucos ainda teimam no entanto em apelidar de “música de intervenção”, mas qualquer um deles constituiu-se de crucal importância para o crescimento do movimento literário/musical de esquerda que “assolou”, positivamente, os anos 60/70 e levou a um crescimento substancial do numero de interpretes e de cantautores que com eles, e especialmente mercê de todo o conteúdo veiculado pela sua música, ganhou consciencia social e politica, sonhou e projectou um futuro , mas acima de tudo também consciencializou outras gentes da área musical que até ali não tinham ainda entrado de peito aberto na discussão e na luta e no consequente braço-de-ferro que então se desenhava, contra os podres poderes instituidos, contra o bolorento Estado Novo vigente e especialmente contra a arrepiante e brutal polícia politica de então– a maléfica PIDE/DGS, de más recordações, que era, infelizmente, desde há muitos anos a base de sustentação e apoio desse mesmo Estado vigente, arcaico, neo-nazi, controlador, dominador e… espião de intimidades!
Em conjunto, os dois artistas não só contabilizaram uns muitos largos milhares de discos apreendidos, quer nos armazens da distribuição, quer nos pontos de venda, como foram duas das maiores vítimas em termos de cancelamento de espectaculos e de proibição de letras de canções por parte da tristemente celebre e famigerada comissão de censura, que bastava não entender uma palavra de qualquer um dos textos ou dos poemas apresentados para visionamento prévio, para de imediato assinalarem a proibição com o célebérrimo lapis azul; e eu próprio pude confirmar isso em pelo menos duas ocasiões que me vêm assim de repente ao pensamento:-a primeira delas por causa de um concerto de Patxi Andion em 1974, no Coliseu dos Recreios de Lisboa, pouco antes da alvorada de Abril, no que dizia respeito ao conteúdo literário do tema “El maestro”( que eu propositadamente “esquecera” de levar à chamada “censura prévia”,o habitual controle do departamento censorial que ficava ali para os lados do largo da Misericórdia, em Lisboa) e que motivou a que no final desse mesmo (fabuloso) espectáculo eu próprio fosse questionado e acabasse detido pelos esbirros da mesma polícia politica e o segundo caso prendeu-se com alguns artigos a publicar na altura, naquele que foi o primeiro jornal de música em Portugal- a Memória do Elefante, de que fui um dos co-proprietários juntamente com mais três amigos meus da altura, colegas de curso e de locução no antigo Rádio Clube Português, na Rua Tenente Valadim, no Porto, em especial com vários textos do meu querido amigo e saudoso nativo de Vinhais – Jorge Lima Barreto e ainda também com alguns dos artigos do jornalista, escritor e poeta José Viale Moutinho, sobre os quais regra geral se abatia sempre e irremediavelmente a temível tesoura censorial dos mangas de alpaca, uma mão cheia de elementos risiveis e hipocritas, mas crueis e salazarentos, da mesma tristemente célebre comissão de censura…
Pois esses mesmos dois cantautores portugueses são agora de novo notícia entre nós pela publicação de dois excelentes livros, que abordam, embora de forma suscinta, varias facetas da vida e obra desses dois “monstros sagrados” da musica popular portuguesa e que acabam por ser também, pela esclarecida pena e memória do autor das duas obras, testemunhos raros e fieis depositários de historias de vida e de obra da dupla, que o tempo já consagrou como dois fulcrais icones da MPP; os livros, onde se contam em geito de crónicas, histórias vivenciadas de viagens, de amizades, encontros com trabalhadores e até perseguições da policia politica, se recordam também experiencias de certa relevancia, social e politica, e retratam, em forma de excertos, parte de testemunhos e excertos de algumas entrevistas com varios personagens que conheceram de perto as duas figuras miticas da nossa musica popular , dupla que tem sido ponto fulcral e base das edições surgidas até agora, são da autoria de Mário Correia, da editora Sons da Terra, de quem já anteriormente aqui falei aquando de outras duas anteriores edições:- “José Afonso em terras de Trás-os-Montes” e “Adriano Correia de Oliveira- Canções de Abril…depois de Abril”.
Duas obras que se constituem como dois fundamentais e importantes lançamentos da editora nortenha, sediada em Sendim, no belo Nordeste transmontano, e que acabam por nos ajudar a melhor compreender a verdadeira importância social, politica e musical que tiveram estes dois vultos da música popular portuguesa, que por toda a sua importancia social e corajosa luta de peito aberto, bem mereciam estar no Panteão Nacional, no lugar de outras figures de somenos importancia que lá estacionam, acho que algumas imerecidamente, há muitos anos!
Para finalizar, recuando um pouco no tempo e em jeito de recordação histórica, sabe-se que o Centro de Música Tradicional Sons da Terra, teve origem já há cerca de duas dezenas de anos, mais concretamente no início de 2002 em Sendim, tem por objectivo essencial a promoção da cultura tradicional do Nordeste Transmontano e foi criado tendo em vista responder às necessidades das entidades e pessoas individuais que actuam na promoção e investigação da música tradicional do Nordeste Transmontano do nosso país – e que agora podem já assim encontrar neste local um conjunto de estruturas, estratégias e materiais para obter um melhor enquadramento.
O centro tem também na mira um vasto leque de actividades, que vão desde os cursos e a formação, passando pela organização de festivais, colóquios, conferências e concertos – sendo, contudo, uma das suas principais vocações o criterioso tratamento, catalogação e disponibilização de recolhas sobre as tradições transmontanas, através de um conjunto muito alargado de materiais, com destaque para tudo que se relacione com sons, filmes e documentação variada; a biblioteca do mesmo Centro (integrando cerca de 2000 volumes, directa ou indirectamente consagrados à temática da música tradicional, portuguesa e europeia) e a fonoteca (integrando cerca de 4000 discos, mais de 200 horas de recolhas musicais da tradição oral, além de filmes e arquivos documentais fotográficos) têm sido frequentadas por estudiosos universitários e amantes das músicas tradicionais, tendo mesmo já sido iniciadas várias cooperações para estudos científicos sobre a matéria, tendo também, e para além de tudo isto, prosseguido um laborioso trabalho de recolhas musicais da tradição oral portuguesa (incidindo fundamentalmente sobre o Nordeste Transmontano mas também pelas restantes regiões do Norte de Portugal ), bem como tem levado a cabo uma série de acções de grande dinamização das associações locais.
A edição de livros é no entanto, e também, um importante factor a ter em conta e a merecer um grande carinho, especialmente por parte do mesmo multifacetado Mário Correia, homem forte do habitual e anual Festival Intercéltico de Sendim, como aliás já o havia sido durante vários anos quando se constituiu como um dos elementos preponderantes na realização e organização de um similar certame musical das Músicas do Mundo- o Festival Intercéltico do Porto, de boa e saudosa memória, que durante anos marcou presença e assentou arraiais em vários espaços (Coliseu, Teatro Rivoli, Jardim do Asilo do Terço…) na cidade do Porto.