ANTÓNIO MANUEL RIBEIRO-viveiro de recordações
Paralelamente com a sua actividade como líder incontestado de um dos dois mais antigos grupos do rock em português- os almadenses UHF, António Manuel Ribeiro tem dado largas à sua criatividade também como artista a solo revelando grandes capacidades não só no especifico campo da escrita, como também na área da composição musical e na restrita e especifica área da produção; até agora, assinou mesmo já uma mão cheia de grandes trabalhos em nome próprio onde tem revelado uma invulgar inspiração e uma grande criatividade especialmente na área dos textos, onde geralmente se assume como um grande contador de histórias e um cronista de mão cheia, especialmente quando traz à tona da agua, belas e memoráveis recordações, quer da sua infância, quer dos tempos de juventude que a esta se seguiram.
Nos últimos tempos, aproveitando o período pandémico e de obrigatório recolhimento caseiro, trabalhou pausadamente num novo disco e dando sentido a uma celebre frase onde se afirma que “recordar é viver” aí está ele outra vez embrenhado num novo projecto de índole pessoal – “As canções da casa escura” onde de novo puxa pela memória, desafiando por isso as suas recordações ainda presentes e mais marcantes, mesmo que algumas delas se saiba vem já da sua longínqua infância, presenteando-nos desse modo com mais uma verdadeira caderneta de “cromos pessoais”, afinal de contas uma série de retratos/lembranças, verdadeiramente fotográficas, que nos são proporcionadas sob a forma de um novo trabalho; e é até o próprio AMR que nos transporta agora, pela mão, até esses tempos antigos e passados e nos fala abertamente não só de algumas das canções que desde há tempos tinha escritas mas que estavam “estacionadas” em pessoal arquivo, ao mesmo tempo que relembra que foi sua mãe, que na tentativa de melhor o domesticar em termos de educação, criou na altura duas distintas individualidades para melhor o persuadir a aceitar as suas regras:- um assustante “papão” e uma imaginária “casa escura”…
Ao mesmo tempo justifica e explica o porquê da abertura deste verdadeiro baú do tempo e esta recolha de um valioso conteúdo pessoal e memorial a partir de imagens marcantes da sua infância quando declara que “…neste disco reúno canções que fui guardando para o tempo certo, espécie de colheita em repouso, sem barrica de carvalho! Chegaram até hoje; juntei-as agora e adoro a sua coerência, vindas de diferentes ilhas da inspiração e dos episódios que vamos visitando nesta fisicalidade. Solitário gravei, num período de confinamento social por imposição sanitária…”
Agora, na audição desta nova proposta discográfica, onde AMR recebeu a especial e preciosa colaboração de alguns amigos tais como Tim, Miguel Angelo, Manuel Faria, Fernando Delaere ou Rui Padinha, entre outros mais, verifica-se que o artista almadense está vocalmente, em grande forma, cantando melhor que nunca, com a voz colocadíssima, dando um grande enfase às palavras que lhe servem de trampolim para através delas dar os seus recados, uma série de grandes canções de elevado recorte instrumental, onde se destaca uma evidente grande coerência estética e tudo isto através de uma poética exemplarmente pessoal, profunda e inspirada; dando mostras ao cantar de uma perfeita dicção, factor que aliás, e desde quase sempre, tem sido seu apanágio e também uma das suas mais valias e legítimas bandeiras, o cantor dos UHF exprime-se aqui através da interpretação de uma mão cheia de belissímas baladas, todas elas servidas por inspiradas melodias, exemplarmente construídas, que servem também para permitir demonstrar a toda a gente, não só o seu actual grande momento como interprete, mas também a sua evidente grande forma como compositor…
Para além das belas propostas que integram o disco, o meu pessoal destaque vai para a excelente produção e em termos de repertório para as canções número nove e oito do alinhamento do projecto, a primeira destas uma engraçada ode ao futebol da autoria da dupla João Gobern/AMR e a segunda uma carismática, imaginativa, bem concebida e pessoalíssima versão do cantor para a célebre composição “Povo que lavas no rio”, que a diva Amália popularizou e eternizou, e cujo poema tem assinatura do meu querido e saudoso vizinho, amigo, companheiro de tertúlia e de pastelaria no Porto (a confeitaria Porto Rico, nas proximidades da rotunda da Boavista e do Carvalhido) – o grande e imortal poeta e homem de letras – Pedro Homem de Mello…
Numa altura em que muitos artistas a solo, e alguns grupos nacionais também, teimam (estupidamente e num autentico crime de lesa cultura) em cantar em língua estrangeira (vide por exemplo o flagrante péssimo exemplo da canção vencedora do ultimo Festival da Canção, interpretada sabe-se lá porquê e com que desígnios, na língua de Shakespeare), Antonio Manuel Ribeiro continua a sua cruzada pessoal de cantar (bem, diga-se de passagem) na língua de Pessoa, Camões e Amália e propõe-nos agora um outro grande trabalho em disco, que se assume sem dúvida e desde já como uma das melhores obras em língua portuguesa, editadas este ano; cumpre agora aos “media” nacionais (habitualmente surdos e geralmente de ouvidos só abertos para inenarráveis e sofríveis estrangeirisses) conceder-lhe o “tempo de antena” que a qualidade intrínseca do trabalho amplamente justifica e merece!
CD AMRA Discos ( com apoio da Fundação GDA e da Antena 1)