RODRIGO LEÃO
o apogeu de um criador!
Sabendo-se já de antemão da sua habitual grande exigência artística e do seu elevado e evidente perfeccionismo, predicados bem presentes em todos os trabalhos em que sozinho se aventurou nos últimos anos abandonando por causa disso dois populares colectivos portugueses de grande sucesso e já devidamente consagrados pela critica e pelo publico, enveredando corajosa, mas conscientemente, por uma carreira em solitário, é sempre com natural expectativa e curiosidade que os seus milhares de admiradores se interroguem, quando se anuncia um álbum novo, sobre em quem recairão as pontuais escolhas de Rodrigo Leão para o capítulo da colaboração e portanto quem poderão ser desta vez os “previlegiados” que serão convidados para participar na nova gravação, tanto mais que isso representa, para estes últimos, alem de tudo, uma grande oportunidade de poderem estar activos e trabalharem, inicialmente em estúdio e depois, possivelmente, em posteriores concertos ao vivo de apresentação do novo disco, pormenor tanto mais importante especialmente nesta actual grande crise de emprego e de concertos ao vivo, derivada da maldita fase pandémica que atravessamos, a que se segue muitas vezes também a hipótese de os convidados terem também a rara oportunidade de tocar no estrangeiro integrados no núcleo duro do artista, no que respeita às áreas de instrumentistas ou de vozes, quando posteriormente for para a estrada no estrangeiro, pois é sabido que o compositor e teclista português tem normalmente programados na sua agenda quase sempre o mesmo número de concertos fora de portas como em Portugal.
Mas o que representa também, para além disto, esse prestigiado convite para gravar?
A possibilidade de os convidados poderem assim mais amplamente promover o seu nome e dar mostras do seu real valor, a vários níveis, tanto mais que o instrumentista português, aposta muitas vezes em nomes nacionais e estrangeiros estes últimos muitas das vezes pouco mais que desconhecidos entre nós, (os casos pontuais nos álbuns anteriores são já inúmeros), sendo portanto mais facilmente compreensível o entusiasmo e honra de qualquer um dos músicos pelo possível convite, um sentimento afinal facilmente explicado pelo facto do antigo membro dos Madredeus e da Sétima Legião ser um dos poucos artistas que se pode gabar de ter o grande teclista Ryuichi Sakamoto por amigo e até por admirador ( já chegou até a gravar há anos atrás, para um disco seu, com o “mestre” japonês, num estúdio em Nova Iorque, sessão essa que eu próprio mediei aquando da minha passagem pela Sony Music) e especialmente por nesta altura já possuir um elevado estatuto artístico como artista solo, quer em Portugal, quer extra-muros e esse pormenor, quer queiramos, quer não, ser um enorme e deveras importante factor de qualidade a ter sempre em linha de conta…
Agora, em finais de 2021, Rodrigo Leão volta então a ser noticia pelas melhores razões pois aparece com o atrás referido novo projecto, um trabalho anunciado há tempos atrás quer pelos media nacionais quer pela sua agência – a Uguru, e portanto aí temos então já no mercado, e um tanto surpreendentemente, diga-se- “A estranha beleza da vida” , titulo do seu mais recente disco que no entanto não era esperado aparecer assim tão cedo ainda, tanto mais que o anterior- “O método”, havia sido publicado há relativamente pouco tempo, mais concretamente em 2020; porém, a pandemia vigente e o inevitável cancelamento da digressão já alinhavada, levaram a muitas mudanças e a um inevitável recolhimento, quase mesmo monástico, do compositor português na sua casa do Alentejo onde, com tempo livre, liberto de compromissos de concertos ao vivo, grande liberdade de criação, sem pressas, sem limites de tempo, nem obrigações promocionais ou viagens, pôde começar a imaginar e a construir melodias, delinear fraseados, explorar novas e belas sonoridades, absorver e respirar toda a liberdade, ar puro e os amplos horizontes de um Alentejo sem fim, uma província portuguesa cada vez mais tranquila, calma, inspiradora e “requisitada” por muitos estrangeiros para viver e criar raízes e de que o exemplo mais sonante é sem dúvida o do grande Ai wei wei, artista vanguardista de origem chinesa cuja exposição em Lisboa constituiu um extraordinário sucesso!
Assim, com a cumplicidade dos seus habituais anteriores comparsas de produção e de arranjos, começou então a gerar um novo projecto (onde começa também a dar uns passinhos lentos, mas firmes nas letras e nas teclas a companheira de Rodrigo- Ana Carolina Costa), explorando e aventurando-se calma e serenamente em novas sonoridades e géneros, compondo uma série de temas de grande sensibilidade e refinada estética musical, e acima de tudo criando para todos eles belas e atraentes roupagens rítmicas que agora como se pode ouvir no disco, encaixaram na perfeição em ambientes musicais de verdadeira sintonia com a mãe Natureza, de conexão e inspiração com a musica erudita – afinal a sua grande fonte de inspiração também; acabou assim por nascer a fantástica obra “A estranha beleza da vida”, que acaba por ser também uma verdadeira torrente de criatividade, um manancial de grandes canções que nos falam, em modo quase cinemático, de viagens, de amor, de cumplicidades, emoções, amizades e novos e sonhados horizontes!
Como já vem sendo habitual, o núcleo de colaboradores aqui reunido é novamente impar e de altíssima qualidade, havendo no entanto que lhe adicionar também um naipe excepcional de grandes instrumentistas e de brilhantes vozes, colectivo que vem acima de tudo demonstrar que de novo houve da parte do líder um incomensurável trabalho de pesquisa, deveras exigente e extremamente selectivo.
Neste novo projecto musical, verdadeira obra-prima da musica portuguesa soft pop contemporânea, verifica-se na leitura da ficha técnica que mais uma vez Rodrigo Leão e a exemplo do sucedido em discos anteriores, surpreende pelo arrojo da selecção, quer no que toca aos “habitués”, quer no que respeita aos novos “convidados”, pela sua enorme perspicácia e sagaz capacidade de escolha e pelas multiplicidade das apostas feitas; assim, marcam presença, em diversas funções, alguns nomes de convidados cujo fulgor artístico só agora começa a revelar-se ao grande público, e a crescer, tais como Kurt Wagner, da banda Lambchop (composição e synthesizers), Michelle Gurevich (letrista e voz), Surma (synthesizers e vozes) e Suzo Saiz (synthesizers) estando no entanto a grande surpresa no capitulo dos convidados a cargo da presença de uma artista, ainda injusta e injustificadamente pouco conhecida entre nós, que é no entanto já um nome sonante e um verdadeiro “monstro” no panorama musical da vizinha Espanha- o furacão Martírio, que para além de assinar em parceria com um seu companheiro de aventuras musicais- o guitarrista Raúl Rodriguez o poema da canção “Voz de sal”, canta essa mesma canção de um modo pessoalíssimo, soberbo, divinal, portentoso e…por vezes até visceral!
Habitual interprete de reportório tão diverso como coplas, flamenco, boleros ou soft jazz, Martírio é por si só um deleite, uma cantora genuinamente expressiva cuja presença no disco de Rodrigo constitui sem dúvida uma mais valia; para quem não a conhece ainda, digo que vale bem a pena descobri-la aqui no novo trabalho ou então nos seus discos, sob pena de se perder a audição de uma das mais carismáticas e fantásticas vozes femininas que dá cartas um pouco por toda a Espanha de “nuestros hermanos”!
Rodrigo Leão está de volta e isso é motivo não só para novas descobertas sonoras mas também, e sobretudo, para grandes e efusivos festejos com o que de melhor haja para beber e brindar pois o seu novo disco, para além de uma obra-prima é por si só um verdadeiro manjar musical dos deuses!
CD UGURU/BMG