PIANO – NUNO VIEIRA DE ALMEIDA
SOPRANO – ELSA SAQUE
Nos anos trinta do século passado, ao reflectir sobre o significado da música, Fernando Lopes-Graça afirmou: «Poderia dizer-lhes, enfim, como além de uma Arte a considero uma Religião, a minha única religião […] e como visiono uma única Religião do Futuro, a única Religião de uma Humanidade Livre, Justa e Sábia.» A frase ilustra bem a vida da personagem a que alguns, muito justamente, apelidam de o maior compositor ,musicólogo e divulgador musical do século XX em Portugal.
É também com um sentimento de plena justiça que a Câmara Municipal de Lisboa se associa às comemorações do centenário do nascimento de Fernando Lopes-Graça, com o apoio a esta edição discográfica, coordenada por Nuno Vieira de Almeida – uma contribuição para honrar quem, em vida, tanto conseguiu realizar apesar das constantes censuras e perseguições políticas que sofreu por defender os valores do humanismo e da democracia.
São várias as razões que explicam o lugar de destaque que o repertório para Canto e Piano ocupa no catálogo de Fernando Lopes-Graça, com um peso apenas comparável ao das obras para Piano solo ou para Coro. Antes de mais – convém não o esquecer – Graça era um pianista excelente, formado na Classe de Virtuosidade de Mestre Viana da Mota no Conservatório Nacional, e em 1931 chegaria a concorrer a uma vaga de Professor de Piano daquela escola, sendo declarado vencedor no concurso, muito embora as posições políticas anti-fascistas que já então lhe eram bem conhecidas levassem imediatamente o Ministério da Educação Nacional a anular por um acto administrativo o veredicto do júri – a primeira das muitas perseguições políticas por parte do Estado Novo que viriam a partir de então a marcar a sua vida. A canção acompanhada ao piano era, pois, a extensão natural da sua vertente de pianista e de algum modo constitui por isso mesmo o complemento lógico da sua obra pianística a solo, explorando também ela o seu conhecimento profundo dos recursos técnicos e expressivos deste instrumento.
Esta gravação de uma parcela muito significativa da sua produção para Canto e Piano representa sem qualquer dúvida um marco na redescoberta e reavaliação públicas da obra de um dos maiores compositores portugueses de todos os tempos, no ano do seu centenário.
Pequeno excerto do texto incluído no disco, da autoria de Rui Vieira Nery.