JOSÉ BARROS
25 anos de músicas!!!
Solte-se o foguetório que estava já reservado, apanhem-se as canas, ribombem os bombos, tarolas, pandeiretas e afins, libertem-se os sons e ritmos dos acordeões e das concertinas, ouçam-se bem alto os sons e ritmos trepidantes dos cavaquinhos, as gaitas e as sanfonas, convidem-se para animar ainda mais a festa os caretos de Podence e os Pauliteiros de Miranda e venha de lá essa pinga especial, estendam-se na mesa os lautos e múltiplos petiscos caseiros, o pão acabado de coser e o caldo verde com chouriça a fumegar e remate-se com copos de vinho generoso do Douro, que o momento é de grande comemoração e de imensa festança popular, mas da grande!
Com efeito José Barros “Navegante” acaba de completar nada menos de 25 anos de carreira (1994-2018) e é ele e a sua musica o motivo central da comemoração, pois não só não é todos os dias que se comemora uma efeméride dessas, como também, e aqui há que dar a mão à palmatória, ele merece isso e muito mais pois o seu percurso musical foi até agora feito de muito sangue, suor, lágrimas, perseverança, estoicismo, qualidade e especialmente autenticidade musical; injustamente pouco conhecido do grande publico, aquele que normalmente enche pavilhões e estádios, o Navegante não tem merecido, como era minimamente exigível, os favores e a atenção devida dos media portugueses (sempre atentos, sabe-se lá porquê a promover verdadeiras merdas que nos chegam do estrangeiro, portanto em língua não portuguesa e que constituiu um verdadeiro crime de lesa cultura nacional) a que efectivamente ele tinha legitimamente direito e sem qualquer dúvida amplamente merecia, não só pela alta qualidade do seu trabalho, mas também porque é um dos grandes valores da nossa belíssima musica popular onde se mantem em permanente actividade seja como cantautor, produtor, arranjador ou simples colaborador instrumental.
Bastará recordar que o seu nome se encontra mesmo indelevelmente ligado no nosso meio musical a trabalhos de muita gente prestigiada da MPP como Isabel Silvestre, Romanças, Bago de Milho, Quatro ao Sul, Ronda dos Quatro Caminhos e mais recentemente ao italiano Mimmo Epifani ( com quem até já inclusivamente gravou dois discos) e à nóvel Companhia do Canto Popular…
Mais conhecido no resto da Europa e em países do norte de Africa, onde assiduamente actua a solo com o seu grupo, em comunhão ou suporte de outros artistas (Julho será a vez de actuar em várias cidades marroquinas), acaba afinal por dar razão à celebre frase que diz que “ninguém é profeta na sua terra”; de facto, incompreensivelmente, as rádios e televisões sediadas e a emitir neste país à beira-mar plantado, em especial as nacionalizadas, portanto nossas e como tal sustentadas, compulsivamente, pelo nosso rico dinheirinho, preferem, quase sempre e com muito raras excepções, as estrangeirices cantadas em línguas estranhas, em detrimento da verdadeira musica popular portuguesa cantada na belíssima língua de Camões, Pessoa, Pedro Homem de Melo ou Amália que fazem tantas e tantas vezes as delicias de milhares de turistas, que em férias ou em simples lazer estacionam por cá, excursionando um pouco por todo o lado e enchendo as …casas de fado!
Desde há vários anos responsável directo pela divulgação, recuperação, recriação e promoção da musica tradicional portuguesa, dentro e fora de portas, especialmente através do seu projecto – Navegante, José Barros, merece por isso mesmo todo o nosso respeito e admiração; não foi em vão que para um belo concerto no CCB, em que homenageou Zeca Afonso, que infelizmente haveria de ser um dos últimos da sua fantástica carreira, Patxi Andion, o mais português dos espanhois, fez questão de o escolher e juntar em palco a João Afonso (meu homónimo e sobrinho do Zeca), a Amélia Muge e a Carlos Alberto Moniz para abrilhantar um espectaculo que acabaria por redundar, como frequentemente com ele acontecia por cá, num êxito absoluto!
Confidenciou-me mesmo mestre Andion, no final da noite desse concerto lisboeta, que achava estranho e incrível como um multi-instrumentista e interprete deste gabarito não fosse mais conhecido por exemplo em Espanha, país de grandes vultos na área das músicas do Mundo, quando outros cantores portugueses de menor valia há anos já frequentavam os palcos espanhois, assiduamente e repetidas vezes!
“25 anos” surge agora em edição dupla normal e em formato livro-disco duplo e é através de uma série de 30 composições uma espécie de resumo do que de melhor o cantautor português tem editado em nome proprio, em nove CDs e um DVD, ao longo do seu eclético percurso musical que já se estende por um quarto de século, período durante o qual se projectou como um invulgar multi-instrumentista de cordas e teclas, não deixando no entanto de assumir desde sempre com grande honestidade, ter sofrido influencias estéticas, sonoras e musicais oriundas dos mais diversos quadrantes, que afinal de contas serviram para enriquecer e embelezar as suas propostas, sem que com isto ele tenha no entanto alguma vez esquecido as suas bases mais importantes que são sem dúvida as raízes da música popular e tradicional portuguesa, essencial influência e suporte das suas “aventuras” musicais!
Instrumentista exemplar, pelas suas mãos tem passado, prioritariamente, muitos instrumentos tão característicos e diversos como bandolim, cavaquinho, violino, acordeão, flautas, viola braguesa, gaitas, concertina, bem como também vários instrumentos de teclas e de percussão; por isso mesmo, sendo além do mais um excelente executante, as suas musicas tem refletido todas as suas polivalências pessoais seja nos domínios da musica tradicional, em composições de caracter religioso, cantigas de trabalho, de escarnio, amor ou de maldizer, entre outras, numa fusão de cores, sonoridades e ritmos que encantam quem as ouve, não deixando porém ninguém indiferente!
Dono de uma grande voz, canta com sentimento, grande amplitude e expressividade e até por isso mesmo é sem dúvida neste momento um dos homens que melhor canta em Portugal; isso pode ser facilmente comprovado na audição das mais recentes composições que gravou especialmente as que integram o fabuloso disco a solo “À baladiça”, as que fazem parte do DVD –“Cantares do povo português”, dois belos exemplos de projectos onde os seus grandes dotes vocálicos são por demais evidentes, para além claro das memoráveis prestações vocais no recente disco com Mimmo Epifani -“Fado atarantado” onde se recriam com grande criatividade e originalidade sonoridades e valências da musica de Portugal e de Itália…
“25 anos”, um fantástico projecto apoiado pela SPA, CM Sintra INATEL e Antena 1, que sem dúvida ficará para a historia da musica popular portuguesa e para já se constitui sem duvida como um dos melhores discos portugueses do ano!
CD 20 Century Masterworks/Distrijaz