1.
Editam-se, neste quarto volume, mais quatro episódios da série Povo que Canta.
Dois são sobre cantos de trabalho, um sobre a polifonia e um outro, o último, sobre uma festa religiosa de uma aldeia do município de Idanha-a-Nova, Rosmaninhal.
Não é possível, infelizmente, traduzir todas as notas de terreno coligidas ao longo de meses de deslocações pelos locais onde se filmaram os momentos que depois foram montados nestes filmes.
A opção foi eleger alguns aspectos em detrimento de outros. Importou, neste respigar de informações, dar conta de um aspecto que considerámos importante: o esforço de construção de uma paisagem sonora e visual à beira de uma transformação.
Michel Giacometti procura, em muitos locais, recuperar práticas musicais e agrícolas que estavam em desaparecimento. Este seu esforço tinha por objectivo o seu arquivo.
2.
Estes episódios marcam a passagem algo definitiva do Alentejo para as Beiras. Não significa que nalguns momentos o Sul não volte a estar presente. Mas agora é um outro país.
A estratégia continua a ser mesma: percorrer Portugal pela fronteira, procurar a polifonia, ver os cantos de trabalho, construir um discurso paralelo. E, por último, utilizar, de forma clara, pessoas e instituições de oposição política, sem descurar aqueles que encimam o poder nos locais.
3.
O primeiro episódio deste conjunto mostra dois exemplos de cantos de trabalho do centro do País: Tavarede e Dornelas.
Em Tavarede grava-se a cava do bacelo: um conjunto de homens reinventa este trabalho de movimentação de terras. A gravação faz-se num terreno nas costas da instituição a que é dedicado o episódio. Alguns dos cavadores são também actores amadores. É o caso do mandador. A lâmina da enxada é privativa deste trabalho.
Era um trabalho brutal. Os homens dedicados à cava do bacelo só trabalhavam três a quatro dias por semana. Não era possível pedir mais.
Em Dornelas do Zêzere é gravado um dos momentos mais emblemáticos da série: a muIher da roda. Isolada a filmagem desta mulher, em 1973, foi distinguido, em Florença, com um grande prémio.
A imagem da grande roda sobre o rio é uma fotografia. A roda que é utilizada estava num pequeno terreno agricultado. Todo o sistema hidráulico ainda lá está. Só a roda desapareceu. É um casal de emigrantes que explora essa parcela de terra.
Michel Giacometti já ali tinha estado, e gravado outra mulher. A notícia deste canto deve ter-lhe chegado através de António Avelino Joyce, que em 1939 publicou uma informação sobre ele, dentro de um conjunto de prospecções feitas no âmbito do concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal.
Não é possível saber como Apolinária de Jesus puxa a roda, mas os seus anos de vida já não lho permitiriam, decerto. A única explicação é que estivesse um homem na parte baixa da roda, algo que até era comum. Aliás, esta mulher apenas está na roda porque canta bem, não porque o fizesse no passado.
Em Alcongosta, a equipa grava um conjunto de espécimes de canto polifónico. A polifonia tradicional ocupará muita da atenção de Giacometti. Quarenta anos depois destas filmagens, este é do património mais impressionante e importante do seu legado – basta ter em conta o perigo de extinção, assim como de uniformização, que ocorre nestas práticas musicais, fora e dentro de Portugal.
Por fim, o Rosmaninhal. Aqui é gravada uma festa. Todo o episódio recolhe os diversos momentos em diferentes dias. Sem contacto com o «alferes», Michel Giacometti chegou à festa através do presidente de junta, também grande proprietário.