ANA LAINS – em plena celebração
Parece que foi anteontem que encontrei, e me apresentaram pela primeira vez, Ana Lains, na altura uma fadista já com certo prestígio, nos antigos escritórios do meu amigo Samuel Lopes, da então editora Música Alternativa, em Benfica, andavam os dois então em conversações com o Jorge Fernando para a eventualidade de poder vir a ser ele o produtor de um possível novo disco da fadista, projecto esse que no entanto acabou, por vários motivos, por não se concretizar; no entanto agora recordo que já se passaram vários anos sobre esse nosso primeiro encontro e hoje em dia, vamos poder encontrar a cantora atarefada e em alegre, e mais que justa comemoração dos seus nada menos de 20 anos de carreira, um percurso em que gravou poucos trabalhos de originais, mas durante o qual angariou e fez jus a muitas e elogiosas referencias…
Esta mesma celebração era um sonho que ela desde há muito acalentava e porque vinte anos não são propriamente vinte dias, um aniversário destes representa também ao mesmo tempo um longo, e muitas vezes sinuoso, percurso na música portuguesa e acima de tudo uma pessoal dedicação à promoção da língua de Camões, Amália e Fernando Pessoa não só cá dentro, mas fora de portas também pois ao longo desses mesmos 20 anos de carreira a artista embarcou em inúmeras digressões internacionais que passaram, entre outros lugares, por cidades como Barcelona, Madrid, Sevilha, Saragoça, Zamora, Bucareste, Baku, com especial destaque para o Festival Internacional de Música de Izmir, na Turquia, um evento artistico que pela primeira vez recebeu uma cantora portuguesa em palco.
Falando ainda da citada celebração, sabe-se que a cantora resolveu que seria através de um espectáculo ao vivo, rodeada de amigos, que essa comemoração teria lugar, de preferência numa sala conceituada, cheia de público, onde houvesse inclusivamente a hipótese de registar para a posteridade o evento através da edição de um disco ao vivo.
Escolhida a data (20 de Janeiro de 2020), o local – o salão Preto e Prata do Casino Estoril – e limadas uma série de arestas passou-se depois à fase de selecção de reportório e de convidados e posteriormente para a realização do concerto, que tal como estava inicialmente previsto foi gravado; o resultado de tudo isso podemos agora encontrar no disco
“20 Anos – Ana Laíns e convidados ao vivo no Casino Estoril” recém editado em formato disco/livro que inclui o áudio completo do concerto assim como alguns registos fotográficos, únicos, dessa memorável noite de celebração de uma carreira inicialmente dedicada ao fado (afinal a sua origem) e também à música popular e tradicional portuguesas.
Sobre este lançamento, que em poucos dias atingiu o primeiro lugar da tabela oficial de vendas de discos em Portugal, Ana Laíns caracteriza este projecto, em termos pessoais, como “…uma carta de amor; uma carta escrita com a pena da resiliência, mas também uma carta que comecei e rasguei muitas vezes no decorrer dos últimos vinte anos. Porquê? Porque não é fácil entregar um coração inteiro a um País, à condição de se ter nascido dele, e nele, sem obter, muitas vezes, a reciprocidade desejada.
Além de ser um disco/celebração de 20 anos da minha carreira e de dedicação à promoção da língua e à cultura tradicional portuguesas, este trabalho tem também a peculiaridade de não esquecer a nossa 2.ª língua oficial- o mirandês, uma vez que, em estreita colaboração com a Associação de Língua Mirandesa, todas as canções do alinhamento deste concerto foram traduzidas para esta língua do nosso Nordeste transmontano”
Falando do disco, há que dizer que a artista está a cantar melhor que nunca, denotando uma grande segurança e uma identidade vocal muito própria e bastante acentuada, predicados que sem dúvida a colocam, na actualidade, num lugar de destaque na lista das melhores vozes femininas nacionais da nossa riquíssima música popular, sendo de assinalar e de aplaudir também o apertado critério de selecção de reportório, que acabou por se transformar realmente numa escolha absolutamente “vintage”, pois é de facto uma selecção de composições de primeira água, diria mesmo como costumam afirmar os brasileiros:-“para ninguém botar defeito”; o duplo disco, afirma-se realmente peculiar, sonoramente brilhante, vocalmente sedutor e emocionalmente envolvente ao mesmo tempo que se assume também, indelevelmente, de uma grande honestidade e portugalidade e por isso mesmo não custa nada pressagiar que vai conquistar mesmo os ouvintes mais exigentes.
Contando na elaboração do espectáculo e sua consequente gravação com a participação de inúmeros convidados que ao longo dos anos foram fulcrais no percurso artistico da artista portuguesa, tais como o “trovante” Luís Represas, o meu irmão verde-amarelo Ivan Lins, a fadista Mafalda Arnauth, Fernando Pereira, o guitarrista Silvestre Fonseca, Fernando A. Pereira (trovador) e ainda o Grupo Cantares de Évora e as Adufeiras de Idanha-a-Nova, o projecto acaba por resultar num disco marcado por uma forte identificação musical, onde se destacam a fusão de várias rítmicas e sonoridades, bem portuguesas, com as muitas influências culturais que se cruzam no dia-a-dia musical do nosso País , num crescendo de emoções e sentimentos, que transformam o projecto no melhor evento ao vivo que me foi dado ouvir nos óltimos tempos e que por isso mesmo merece uma especial e cuidada atenção sob pena de se deixar passar em claro uma belíssima obra de assinalável bom gosto e qualidade!
Com um disco, sob muitos aspectos, absolutamente brilhante que é um ao mesmo tempo um desfilar de grandes instrumentistas e uma verdadeira festa de colorido sonoro e rítmico bem portugueses, estão assim de parabéns o nosso fado e a nossa música popular e tradicional, que pela voz, cada vez mais acentuadamente característica, bonita e brilhante da multifacetada Ana Lains se transformaram através deste memorável “ao vivo” num grande momento musical de intenso prazer auditivo!!!
2CDs/livro Tradisom