AMÉLIA MUGE
o encanto da MPP
Depois de um período de silêncio (pandemia oblige), que a todos os seus muitos admiradores pareceu uma eternidade, silencio esse a que no entanto não é alheia também a maldita pandemia da covid 19 que a todos assolou um pouco por todo o mundo, Amélia Muge, a voz feminina número um da música popular portuguesa tradicional regressa às gravações de estúdio com um novo disco – “Amélias”, onde como já vem sendo habitual nos seus últimos discos surpreende mais uma vez pelo arrojo, pela multiplicidade de propostas e pelos fantásticos ambientes vocais, diversificados, subtis e de grande beleza estética e sonora.
Longe vão já os tempos em que participou no disco de Julio Pereira -“Braguesa” e desde então para cá tem subido a pulso nos domínios da MPP mercê de um grande empenhamento e criatividade propondo-nos lautas refeições vocais quer em disco, quer em concerto, assim explanado a sua arte com uma pluralidade digna de nota ao revisitar áreas tão distintas como a música popular portuguesa, de que já é indubitavelmente um dos mais sonantes nomes, a música africana e a música de fusão, bem como linguagens corais das mais diversas procedências com destaque nos últimos tempos para a música grega e especialmente para a musicalidade de um grande cantautor grego com quem até já partilhou discos e palcos- Michales Loukovikas.
Interprete, compositora, escritora de letras e de canções onde tradição e inovação se entrecruzam com grande cumplicidade e brilhantismo, recordo agora que para além de lhe ter endereçado o convite para “ingressar” no naipe de artistas da então CBS, isto depois de um concerto na Alliance Franco-Portugais, em boa hora apostei anos mais tarde também nas suas mais que evidentes capacidades literárias quando a desafiei para escrever uma letra para o disco de Ana Moura -“Para além da saudade”, no qual fui responsável pela produção executiva e que acabou afinal por constituir o grande ponto de partida para que outros cantores portugueses de diferentes áreas musicais posteriormente lhe endereçassem convites semelhantes para colaborar; hoje em dia a sua obra e extraordinárias capacidades literárias estão espalhadas pelos mais diversos trabalhos discográficos de muitas vozes e inúmeros trabalhos de conceituados artistas nacionais tais como Pedro Moutinho, Mísia, Gaiteiros de Lisboa, a referida Ana Moura ou Camané, entre outros…
Infelizmente, o desaparecimento prematuro num brutal acidente rodoviário do meu querido “irmão” espanhol Patxi Andion, não permitiu que a voz da cantora se projectasse ainda mais no país vizinho juntando-se ao lote de artistas convidados para discos do grande cantautor ibérico, pois ele havia-me confidenciado, depois de ouvir a voz de Amélia, que pretendia juntar à sua própria voz num próximo álbum, a voz dela e a de Ricardo Ribeiro, duas vozes sublimes e na sua opinião, dois registos vocais verdadeiramente de outro planeta!
Agora com este novo disco, que será provavelmente o ponto mais alto da sua vida musical, Amélia Muge, demonstra estar no auge das suas várias capacidades artísticas e traz-nos um disco de grande inspiração e criatividade, onde tradição, inovação e subtileza andam de mãos dadas através de uma multiplicidade de propostas vocais em que a sua voz atinge patamares de excelência, afinal de contas atributos que fazem dela a melhor voz feminina da música popular portuguesa!
O novel projecto, que pode considerar-se uma espécie de singela homenagem da cantora à riqueza do canto no feminino, é simultaneamente uma obra de grande genialidade, fascinante e vocalmente de uma grande beleza estética, surge-nos com as suas composições suavemente envolvidas por uma cama musical de grande nível e amplitude, a que não é alheia a altíssima qualidade do colectivo de músicos nele intervenientes e com uma exemplar produção a cargo do grande José Martins
( também responsável pela gravação do projecto) em dueto e cumplicidade com a própria artista; este sedutor trabalho inclui ainda como extra uma colecção de 13 ilustrações/postal (uma por cada tema do disco) da autoria da própria artista, o que transforma este projecto num verdadeiro e invulgar objecto de colecção; um trabalho que se prepara, com toda a legitimidade, para se constituir sem qualquer dúvida como o melhor trabalho discográfico do ano corrente no panorama da actual música popular portuguesa.
Uma autentica obra-prima que é urgente ouvir por variadas vezes, para pouco a pouco se irem descobrindo todas as maravilhosas subtilezas vocais e toda a amplitude de um ambiente instrumental único, num disco verdadeiramente mágico!
CD Uguru