MARIANO DEIDDA – sempre… Pessoa

MARIANO DEIDDA

MARIANO DEIDDA
sempre… Pessoa

Italiano, nativo da linda Sardenha e um eterno apaixonado por Portugal, onde actuou já por variadas vezes, é também conhecido o grande fascínio e encantamento que o património literário do nosso imortal Fernando Pessoa sempre exerceu sobre Mariano Deidda, que ao espólio do grande homem das letras português já anteriormente dedicou nada menos de quatro discos e uma trilogia, tendo o ultimo “Pessoa sur la strada del jazz”, sido por cá editado em 2017, facto sobre o qual escrevi na altura do seu lançamento; agora, três anos volvidos sobre essa mesma edição, Deidda regressa com mais um disco baseado, sem grande surpresa, de novo sobre …Fernando Pessoa!
Trata-se de “Faust-Fernando Pessoa”, que como o próprio titulo deixa antever,se debuça sobre a celebre peça de Pessoa, aqui na perspectiva pessoal do compositor e cantor italiano, uma peça em que o escritor português, fascinado pela obra de Goeth, trabalhou de 1908 a 1933 e que se traduziu numa sua pessoal interpretação sobre uma lenda do alquimista Johann Georg Faust; como sempre tem acontecido, Mariano trata com grande honestidade, desvelo e carinho a obra do autor português e não sendo no entanto uma estrita visão pessoal da peça, por parte do autor italiano, é no entanto uma interpretação tão pessoal quanto possível para a qual a cama musical foi composta com grande serenidade, amor, profundidade, grande conhecimento de causa e enorme versatilidade.
Segundo o próprio interprete italiano “…hoje, o “Fausto ” de Pessoa na música representa um passo em frente, uma ponte entre o que foi e o que deveria ser; tudo muda, entramos numa era difícil até porque a covid-19 que ainda nos afeta não fez nada além de nos forçar a uma mudança necessária para nossa própria sobrevivência. Os meus “Fausto” e Pessoa vão nessa direção: -porque o mundo não só é sonhado, mas é dentro um outro sonho em que sonhados são os sonhadores… Grandes mudanças e grandes transformações quase sempre enfrentam o medo e a dor; gente sem vontade, sem coragem, que não sabe sonhar, dorme para sempre…”
Gravado em Portugal, o projecto mistura com grande sensibilidade e bom gosto toda a densidade da musica coral sinfónica com laivos e a expressividade do jazz e também da musica popular e afirma-se como um disco de grande beleza estética, recheado de sumptuosos arranjos ao longo de uma produção exemplar, sendo um trabalho onde transparece, mais uma vez, toda a desmedida paixão do artista italiano pela obra de Pessoa; simultaneamente, está recheado de grandes “argumentos” que sobremaneira atestam a seu favor:- primeiro, porque o interprete/compositor italiano continua a cantar segura e divinamente contando para isso com a “colaboração” da sua bela voz, grave e quente, mas ao mesmo tempo aconchegante e ligeiramente rouca; depois porque Deidda não se poupou a esforços e conseguiu contar com a preciosa prestação do Coro polifónico do Teatro São Carlos, sob a direcção de Pedro Santos e de um excelente naipe de músicos, de grande eficiência instrumental e sonora, com destaque para Laurent Filipe e finalmente pela quase ousadia de integrar um momento de fado na obra, que redundou numa prestação mágica e de invulgar qualidade a cargo da dupla Camané & Deidda em “Il canto delle tessitrici” ( o canto das tecedeiras), que curiosamente acabou por se transformar no momento mais fascinante do disco, um trabalho onde há que salientar também toda a alta qualidade dos belíssimos arranjos e a grande sumptuosidade dos coros…
Um desabafo final:- sabe tão bem ver o nosso património artístico ser tratado deste modo, reconhecido e homenageado, tratado com tanta paixão, amor e carinho, especialmente por parte de um artista estrangeiro, se bem que Mariano Deidda, pelas provas já dadas, pelo seu grande amor e devoção a Portugal, já devesse mesmo ser considerado português, e mais que isso até, património…nacional!

MARIANO DEIDDA

CD Valentim de Carvalho