Novas Vos Trago é um disco de romances compostos e interpretados por Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Gaiteiros de Lisboa, João Afonso e Sérgio Godinho, a partir de um convite da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP) , produzido e editado pela TRADISOM, em co-produção com aquela entidade (CNCDP) e a Universidade de Aveiro.
A escolha do “Romance” como género ao qual se dedica integralmente este disco prende-se com o facto de ele ter cruzado os caminhos da expansão e ser, talvez, um dos mais viajados géneros da música portuguesa de transmissão exclusivamente oral, sendo possível encontrar os mesmos temas ou versões diferentes dos mesmos “romances” em espaços tão longínquos como o Brasil ou Goa.
Este disco tem um livreto (português e inglês) de 68 páginas.
Devia dar um bocadinho que pensar o motivo pelo qual tão poucas vezes aos músicos portugueses são colocados desafios como é, agora, este NOVAS VOS TRAGO . Isto é, propostas em que, independentemente das suas carreiras e projectos individuais, eles são convidados para abordar outros reportórios, confrontados com ideias e conceitos exteriores e, eventualmente, seduzidos a trabalhar com colegas de ofício com quem, de outro modo, dificilmente colaborariam.
E devia dar tanto mais que pensar quanto aqueles quejá aconteceram – FILHOS DA MADRUGADA, ESPANTA ESPÍRITOS, VOZ E GUITARRA, MAIO MADURO MAIO, a homenagem a António Variações, o ciclo «Afinidades» da Expo 98 ou o próprio projecto Resistência -, embora com graus diferentes de sucesso artístico e comercial, provocaram as previsíveis e saudáveis ondas no panorama musical português.
Só por isso, NOVAS VOS TRAGO já mereceria ser louvado. Partindo de uma iniciativa da Comissão dos Descobrimentos integrada no ciclo «Memórias do Oriente» e incluindo uma série de espectáculos e iniciativas musicais designado como «Marés do Som», convidou Amélia Muge, Sérgio Godinho, João Afonso, os Gaiteiros de Lisboa e a Brigada Victor Jara (os Vai de Roda também constavam do elenco inicialmente previsto – é a sua desistência que explica a reduzida duração do CD) para musicarem e interpretarem (dois cada um) um conjunto de romances tradicionais, género literário-musical que acompanhou as viagens das descobertas marítimas e foi deixando vestígios e sementes nas diversas colónias do império. O objectivo, segundo Susana Sardo, comissária do projecto, era “reconstituir um projecto tantas vezes repetido ao
longo da História: o mesmo tema e o mesmo texto reanimados por
uma nova organização musical”.
E reanimados, sem dúvida, eles foram. Especialmente pelos Gaiteiros de Lisboa e por Amélia Muge (a qual, aliás, nos seus dois temas, convida vários dos Gaiteiros para a acompanharem) que em «Floresvento», «O Falso Cego», «Donzela Guerreira» e «Dona Olívia» praticam aquele tipo
de espiritismo musical futurista que permite convocar as almas do passado para as projectar no universo paralelo de uma novíssima tradição para cuja invenção eles estão a contribuir como poucos. Se reunidos em EP, estes quatro temas iriam travar, até ao fim do ano, uma renhidíssima batalha com Sexto Sentido, da Sétima Legião e (tenhamos fé) o novo álbum de Né Ladeiras produzido por Hector Zazou pelo título de melhor disco português de 99.
O resto não é todo tão bom mas há quem se aproxime. Por exemplo, Sérgio Godinho que, até nova audição, me deixa os ouvidos divididos: as suas melodias e os arranjos de Tomás Pimentel para «O Rei e a Virgem Romeira» e «As Bodas em Paris» são indiscutivelmente bonitos, complexos e sofisticados mas não sei se demasiado complexos e sofisticados (se calhar, a palavra de que eu ando à procura é «eruditos») para um material literário de índole mais tradicional e popular.
Especulações à parte, são duas óptimas peças sergianas. A Brigada Victor Jara, nas duas versões de «Parto em Terras Distantes», ajusta-se bem à atmosfera do álbum e, acima de tudo na segunda versão, recupera milagrosamente a voz de Lena d’Água que, por uma vez, aparenta ser capaz de se dedicar a matéria musical um bocadinho mais interessante do que o habitual. Sem fazer descer demasiado a média mas também sem deslumbrar, fica João Afonso que, tão cedo após o álbum de estreia, parece perigosamente próximo da cristalização numa fórmula «afonsina» que aqui aplica sem grandes rasgos de imaginação.
JOÃO LISBOA, in Expresso