MARK TURNER
liberdade criativa
Cada novo disco de Camané é um verdadeiro acontecimento artístico e isso tem de ser visto não só pelo lado do fado propriamente dito, mas também, e acima de tudo, por uma perspectiva cultural e literária, porque afinal de contas as palavras que o fadista escolhe divulgar são desde sempre o seu foco principal, a sua grande preocupação e especial enlevo; com efeito o artista está cada vez mais selectivo e exigente na escolha dos textos que canta, quase sempre de enorme qualidade com o são os casos presentes no novo projecto, onde soberanamente, e com a segurança dos grandes mestres interpreta obras de gente já celebrizada nesta área como Maria do Rosário Pedreira, David Mourão Ferreira, Julio Diniz, Amália Rodrigues, João Monge ou Fernando Pessoa, de autores como Sebastião Cerqueira ou Teresa Muge e ainda de várias outras obras de conceituados compositores e interpretes nacionais tais como Amélia Muge, Pedro Abrunhosa, Sérgio Godinho, Jorge Palma ou Vitorino Salomé.
Agora, pela primeira vez sem a companhia do seu “compagnon de route” e habitual produtor dos últimos anos- o meu querido e saudoso amigo José Mário Branco, infelizmente já desaparecido do nosso convívio, Camané optou por preencher essa lacuna chamando para o seu lado Pedro Moreira, desde há muito ligado à área do jazz nacional não só como saxofonista, mas também como director musical e o resultado final não poderia ser melhor, pois o trabalho não desmerece, bem pelo contrário, dos trabalhos que JMB assinou tão brilhantemente em perfeita comunhão com o fadista, colaboração essa que levou a que muita gente, eu próprio incluído, apelidasse essa mesma ligação de tantos a fio de verdadeira “dupla maravilha”.
Dono de uma voz reconhecidamente impar e vocalmente perfeita, está no ponto mais alto da sua carreira, cantando melhor que nunca, sublinhando e embelezando cada palavra com uma perfeita dicção e uma grande emoção e sentimento, Camané sente verdadeiramente o que canta e o que transmite e por isso mesmo é que pessoalmente o considero, juntamente com Ricardo Ribeiro, como a dupla dos dois melhores fadistas da actualidade musical fadista, dois interpretes verdadeiramente extraordinários que são dois autênticos príncipes do fado, essa canção afinal tão portuguesa e tão genuína, como o vinho generoso ou mais simplesmente vinho fino do Douro, até porque essa mania de lhe chamarem vinho do Porto tem simplesmente a ver, não com a cidade que nem tem vinhas, nem vinho ( até as famosas caves se situam do outro lado do rio Douro em Vila Nova de Gaia !!!) mas sim com um pequeno porto, local onde descarregavam a carga os famosos barcos rabelos que desde a minha bela Régua e das zonas limítrofes para lá o transportavam para gerar divisas e proventos ao ser exportado para o estrangeiro, para ser engarrafado ou então armazenado durante anos…
CD ECM/Distrijazz