“Sou português, nascido no Porto, pequeno-burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro.” Assim se apresentava José Mário Branco.
Foi uma das personalidades marcantes da nossa música e da nossa cultura, como compositor, arranjador, cantautor e produtor musical. Uma história feita de canções, de lutas, de valores. Um homem que, dizendo-se pouco social, era socialmente interveniente, sendo que o seu impacto artístico fez-se sentir no domínio discográfico e em atuações ao vivo, de caráter musical ou teatral.
Tal como num poema, somos uma pessoa quando entramos numa canção de José Mário Branco e outra totalmente diferente quando saímos dela, porque nas suas canções não há neutralidade, elas são o fruto de um trabalhar constante das roldanas do pensamento, soldadinhos a brincar nos jardins dos deuses e o nome de uma tília da avenida dos jardins do Palácio de Cristal.
O Canto Nono apresenta um espetáculo de evocação de José Mário Branco, através da recrIação da sua obra, um conjunto de oito vozes a cantar “à capela”, com o qual manteve uma cumplicidade e uma convivência artística de vinte anos.
A palavra era uma constante em toda a obra de José Mário Branco, a sua força e o seu poder sobressaem porque, para além de uma simples unidade linguística, é dotada de um profundo sentido e de verdade. Palavras cantadas são o santo e a senha do Canto Nono e é também com verdade que tentam transmiti-las, torná-las cristalinas no verbo e na intenção, consumíveis mas não descartáveis para que, entrelaçadas, adquiram a dureza indispensável ao confronto do quotidiano.
Não vão fazer deste espetáculo, o “Canto Nono” e José Mário Branco, a Travessia do Deserto. Vão andar pela “Arcádia” dando um “Recado ao Porto”, perscrutando “A Noite”. Vão dar notícias da “Etelvina” e do seu “Soldadinho”, e também de “… uma Amiga” cansada de “Remendos e Côdeas”, porque essas são “As Canseiras desta Vida”. Também vão dizer “Do que Um Homem É Capaz” para que se entenda que é a cantar que se “Mudam-se os Tempos e as Vontades”. E no final, quem sabe, talvez cada um de nós se tenha tornado, um pouco, aprendiz de feiticeiro.