FILIPA PAIS – um festivo regresso!

Filipa Pais

FILIPA PAIS
um festivo regresso!

É sem dúvida um caso de estudo o de Filipa Pais:- dona de uma voz espectacular, sendo mesmo para mim uma das melhores interpretes nacionais vivas, nome que tem sido quase sempre pouco menos que ignorado pelas principais editoras especialmente aquelas que, sendo filiais de majors internacionais, tinham por isso mesmo obrigação moral de velar um pouco pela nossa cultura quer literária, quer musical e assim sendo apoiar a altíssima qualidade da sua voz nem que fosse através pelo menos de gravações pontuais, monetariamente menos dispendiosas; infelizmente isso não tem sucedido e foi mesmo preciso que uma editora independente -neste caso a Tradisom de José Moças, a não só a reconhecer os imensos atributos vocálicos da cantora bem como a avançar e consequentemente arriscar a gravação de um novo álbum – “Uma viagem aos Açores”, disco que deste modo marca o fim de um grande e inexplicável silêncio discográfico ( a cantora não gravava desde 2004), um interregno que, ouso dizer, já quase se tornara verdadeiramente “ensurdecedor”…

Fruto da sua grande paixão pelas ilhas açorianas, seu mar e gentes  e especialmente pelo riquíssimo espolio musical dessas latitudes insulares, Filipa Pais, que ficou como que siderada quando ouviu pela primeira vez a Brigada Vitor Jara a interpretar alguns temas populares naquelas belas ilhas, selecionou agora a seu gosto uma mão cheia dessas inesquecíveis composições tradicionais  com que pessoalmente mais se identifica, bem como de algumas outras originárias do talento quer literário, quer musical de gente já com créditos firmados no panorama nacional como sejam o meu querido “irmão” Zeca Medeiros, as duplas  Natália Correia/Aníbal Raposo, Fernando Reis Júnior/ João Miguel Sousa e António Melo Sousa/ Luis Gil Bettencourt havendo ainda que não esquecer também a presença neste capitulo especifico das autorias a presença de uma musica da própria  cantora (“Que farei às saudades”) numa sua  feliz parceria com  Paulo Vicente; tudo junto resulta numa revisitação arrojada de muitas composições a quem a cantora proporciona assim a modos que uma “nova vida” e cujo produto final se afirma como um lauto manjar musical que ao mesmo tempo faz com que “Uma viagem aos Açores”, através de um menu de catorze composições, se transforme num trabalho vibrante e apelativo, inesquecível e apaixonante e simultaneamente numa das melhores obras musicais portuguesas do ano que ainda decorre…

Embora numa mera opinião pessoal eu ache que algumas das composições do disco beneficiariam um pouco com algum ligeiro tratamento orquestral, estamos no entanto em presença de uma obra verdadeiramente notável, recheada de grandes melodias, a que os instrumentistas  intervenientes na gravação dão sem dúvida através das suas diversas prestações individuais, um grande relevo e brilhantismo pela alta qualidade e virtuosismo que demonstram, este novel disco da belíssima e apaixonante Filipa Pais

( sem dúvida no auge da sua carreira como solista), se por um lado vem abrilhantar o panorama editorial português neste ano tão curto de lançamentos que valha mesmo a pena escutar e vem acabar por consagrar  a sua interprete como uma das mais prestigiadas interpretes femininas da actualidade, por outro lado vem dar uma bofetada de luva branca nas grandes editoras multinacionais sediadas em Portugal e sempre tão “ocupadas” e preocupadas com edições em língua não portuguesa; de referir que também, e acima de tudo, que o conteúdo deste novo trabalho vem demonstrar que há ainda um riquíssimo espólio musical português a explorar e quase todo ele de muito maior qualidade do que a maioria dos projectos estrangeiros que vão sendo sistematicamente editados no nosso País, muitos deles de autentica lesa-cultura!

Recuando um pouco no tempo e em termos de contabilização estritamente musical sabe-se que Filipa Pais quando ainda muito jovem e depois da sua passagem pelo ballet da Gulbenkian apareceu a cantar no tema “Queda do Império” de Vitorino Salomé; mais tarde trabalha com os irmãos Salomé no projeto Lua Extravagante, que registou um disco gravado no ano de 1991.

Em 1994 edita, a agora pela então novel editora Strauss do meu querido e saudoso amigo Armando Martins e sob produção do mesmo Vitorino, o seu primeiro disco a solo: “L’ amar” onde canta peças literárias de gente como Camões, Helia Correia, João Paulo Esteves da Silva, Vitorino, Sérgio Godinho e Pedro Ayres de Magalhães, isto para além de utilizar musicalmente algumas das famosas recolhas de etno-musicologia do genial e imortal Michel Giacometti; mais tarde colabora com o notável guitarrista António Chaínho no tema “Fado da distância” e em “Fado da adiça”, este posteriormente  incluído na compilação de edição de grande sucesso nacional e internacional “Onda Sonora: redHot + Lisbon”.

Anos mais tarde, mais concretamente em 2002, participa na peça “Alma Grande” do grupo de teatro “O Bando” estreada em Maio durante o Festival Cantigas de Maio.

O ano seguinte marca o aparecimento do seu segundo álbum de originais- o brilhante trabalho “À Porta do Mundo”, já na altura uma edição arrojada do meu querido amigo Alain Vachier, a que se segue no ano seguinte o disco “Estrela” sob a égide de José Peixoto, ano em que arrebata, com todo o merecimento refira-se, o sempre cobiçado ”Prémio José Afonso”, meritório e prestigiado galardão anualmente atribuído pela Camara Municipal da Amadora através de um júri próprio criado especialmente para o efeito…

Depois, mais concretamente em 2005 portanto, é lançado o disco “Cantos na Maré” resultado de uma gravação ao vivo efectuada em 16 de agosto de 2003 em Pontevedra, na Galiza onde Filipa surgiu integrada numa verdadeira miscelânea vocal e musical que incluía ainda o brasileiro Chico César (Brasil), a melhor cantora da Galiza- a minha querida Uxía, o africano Manecas Costa (Guiné-Bissau), o espanhol Xabier Díaz(Galiza), o africano Jon Luz (Cabo Verde), Astra Harris (Moçambique) e os Batuko Tabanka, colectivo que integrava músicos de duas distintas latitudes -Galiza e Cabo Verde.

Em 2010 colabora outra vez com Vitorino Salomé e ainda com Francisco Ribeiro em “A junção do bem”.

Mais tarde, agora com Janita Salomé, Rita Lobo e Yami grava os discos “Muxima” e “Muxima ao vivo” projectos  em jeito de homenagem à fabulosa obra do Duo Ouro Negro e  participa no espetáculo “Memorial” com Carlos Mendes e Fernando Tordo.
Mais recentemente, em dois anos consecutivos – 2019 e 2020 constituiu-se como uma das principais vozes do projecto musical “Por Terras do Zeca”, numa mais que merecida homenagem ao grande Zeca Afonso, um colectivo que circulou com enorme sucesso pelo país fora quer em forma de disco, quer de espectaculo.

A acrescentar a tudo isto há que não esquecer ainda anteriores colaborações de Filipa Pais com gente como o angolano Filipe Mukenga, o minimalista Michael Nyman, os algarvios Marenostrum, com Uxia e Antonio Emiliano, o nativo açoriano Zeca Medeiros ou com Julio Pereira, entre muitos outros artistas.

Agora, com a presente e desafiante edição de “Uma viagem aos Açores” espera-se que um disco desta altíssima qualidade possa conseguir sensibilizar e interessar verdadeiramente os media nacionais, infelizmente sempre tão atentos a estrangeirisses de reduzido interesse cultural e que habitualmente andam sempre tão distraídos com as nossas  coisas e por isso mesmo por vezes desatentos ao que de melhor vai surgindo no panorama musical deste nosso Portugal democrático, esta bela terra de descobridores e berço de tanta gente literáriamente ilustre como a diva Amália Rodrigues, Luis Vaz de Camões, Pedro Homem de Melo ou Natália Correia e o disco lhes mereça pelo menos um mínimo de atenção, que o mesmo é dizer os favores de uma mais que merecida promoção que o possa assim levar, sem favor, intra e extra-muros até junto de muita gente, mercê de uma massiva divulgação que a sua elevada qualidade merece e tem legitimamente direito!!!

Filipa Pais

CD Tradisom