INTEGRAL PARA CANTO E PIANO
PIANO – NUNO VIEIRA DE ALMEIDA
SOPRANO – ELSA SAQUE
O reportório para voz e piano não é o que primeiro nos vem à mente quando pensamos num compositor de tão pujante veia orquestral como Joly Braga Santos (Lisboa 1924-1988). Não é de surpreender que alguns dos trechos mais relevantes deste disco, agora gravados pela primeira vez, se destinassem na origem a voz e orquestra: Três Sonetos de Camões, Acordando, Cantares Gallegos. Dito isto, aparete instrumental não deixa de ser bastante pianística: Joly sempre gostou de compôr ao piano e quem com ele privou sabe que conseguia prodígios com a sua técnica instrumental sui generis.
Foi decerto sob o impulso de seu mestre Luís de Freitas Branco (1890-1955) que Joly abordou desde cedo este género musical. É sintomático que tenha escolhido, aos 21 anos, dois poetas-fétiche do autor de Vathek: Camões e Antero de Quental. Contudo, nas suas primeiras canções, escritas aos 19 anos, recorreu a Fernando Pessoa – autor pelo qual Freitas Branco não nutria qualquer simpatia! – revelando, aliás, uma voz bem autónoma.
A obra para canto e piano de Joly Braga Santos não sendo muito extensa é muito importante para um entendimento genérico da personalidade musical deste autor pois atravessa literalmente o seu percurso como compositor desde a juventude (4 canções sobre textos de Pessoa) até ao final (cantares gallegos). O facto de algumas destas obras coexistirem na forma voz e orquestra é relevante pelo facto de a orquestra ser O instrumento de Joly Braga Santos mas irrelevante no que respeita à importância das composições na sua forma canto e piano. Mahler e, em certa medida Ravel, são compositores semelhantes a Braga Santos na coexistência de composições em versões para voz/piano – voz /orquestra ou mesmo orquestra/piano sem que esse facto impeça a fruição das obras em qualquer das suas formas; no caso de Mahler o problema agrava-se se pensarmos que algumas versões tão apreciadas em concerto ou em gravação não são do punho do compositor nem no que respeita à orquestração (Rückert Lieder) nem no que respeita à versão para piano (Lieder eines fahrenden Gesellen).Por maioria de razões neste caso o definir da parte de piano como acompanhamento como é muitas vezes costume referir quase pejorativamente parece-me obsoleto, será que as mesmas obras na sua versão orquestral têm um acompanhamento (?) de orquestra? Todas as obras apresentadas neste CD são versões originais de Joly Braga Santos.
Conheci Joly Braga Santos quando tinha onze anos por ser colega das suas filhas Leonor e Piedade (minha colega de turma) na Academia de Santa Cecília. A Piedade foi desde sempre expansiva e gostávamos, mesmo sendo ambos miúdos, de falar sobre música. Apesar da minha timidez comecei a frequentar a casa delas e era-me grato falar com Joly Braga Santos e a sua mulher Maria José pois estes não me tratavam de uma maneira infantil, mas sim com uma simpatia e uma consideração que me faziam sentir adulto e mais responsável. Mesmo assim fiquei estupefacto quando num dia de Outubro Joly Braga Santos me ofereceu com uma dedicatória a partitura da sua Quinta Sinfonia. Ao sair da Estados Unidos da América naquele dia e se isso fosse possível, teria literalmente “estourado” de alegria e orgulho. Andei dias a fio a decifrar a partitura e tocava com animação a parte de piano do 2º andamento “Zavala”.
Este disco tem por isso para mim um significado muito pessoal. É como se fosse a minha forma de agradecer ao fim de tantos anos ao Joly e à sua mulher.
São coisas que acontecem quando um grande compositor Dá uma partitura a um miúdo de onze anos. Muito obrigado.
Texto incluído no disco, da autoria de Nuno Vieira de Almeida