Edição de luxo em digipak com livreto bilingue (português e inglês) de 54 páginas a cores.
Do ponto de vista meramente formal o Tchiloli ou Tragédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno pode ser entendido como um conjunto de actividades expressivas que, tendo por base o romance de temática medieval de Baltazar Dias, poeta renascentista nascido na Madeira, nos conta “como o Marquez de Mantua, andando perdido na caça, achou a Valdovinos ferido de morte, e da justiça, que por sua morte foy feita a D. Carloto, filho do Emperador” (Dias 1816). O Tchiloli parte do texto renascentista em verso e acrescenta-lhe prosa, música, dança e trajes, tornando esta tragédia numa manifestação cultural que só é compreensível na sua totalidade à luz de uma análise que tenha como ponto de partida as características profundamente sincréticas da cultura Santomense.
Assim, o presente documento é inevitavelmente incompleto, uma vez que a fixação do som musical, as notas introdutórias e a reprodução de algumas fotografias, mais não podem fazer do que suscitar o interesse por esta extraordinária prática expressiva. De facto, o Tchiloli para ser compreendido e apreciado deve ser vivenciado no local: apenas em São Tomé o Tchiloli pode fruir-se de forma completa. São Tomé e Príncipe são duas ilhas situadas no Golfo da Guiné descobertas pelos portugueses Pero de Escobar e João de Santarém em 1470. Se as ilhas eram ou não desertas à data da chegada destes navegadores é uma questão por esclarecer, uma vez que foi apenas depois da independência das ilhas em 1975 que se levantou a hipótese de já no século XV existirem habitantes na parte sul da ilha de São Tomé, hipótese esta que carece de investigação aprofundada. A existir, a população autóctone não foi contactada pelos portugueses, pelo que as primeiras medidas tomadas pela coroa se prenderam com a necessidade de povoamento das ilhas em 1484. A partir desta data iniciou-se um processo que se viria a estender a outros territórios africanos e que consistia no envio de portugueses, muitos deles degredados, a quem era dada uma mulher africana escravizada com o propósito de reprodução, para assim se povoarem as ilhas (Hodges e Newitt 1988:18). As crianças resultantes destas ligações, a quem era atribuída uma carta de alforria, vieram a constituir o grupo étnico mais importante da ilha de São Tomé e aquele que hoje é considerado como o único verdadeiramente santomense — os forros ou filhos da terra.