Sete dos fados deste disco foram propositada e totalmente criados para a voz de Ana Guerra, procurando adequar-se e fundir-se com as suas características humanas, tímbricas e interpretativas, bem como com a peculiar forma expressiva que caracteriza o seu modo de cantar.
Resultaram de um lento, laborioso e cuidado processo criativo em que o autor e intérprete foram consolidando laços e cumplicidades, trocando opções estéticas e opiniões artísticas e culturais.
Qual rubra sardinheira a florir numa típica janela ou numa graciosa trapeira de um velho bairro alfacinha, Ana Guerra cresceu e floresceu, não sabemos se por acaso, mas decerto não impunemente, no coração de Alfama, onde o Fado se respirava ainda no ar de cada viela e no interior de cada velha taberna, para não dizer na atmosfera de cada esquina ou no refúgio recatado e secreto da intimidade de cada lar.
Sem o saber, Ana Guerra bebeu o Fado no seio que alimentou os seus primeiros passos vacilantes e os seus primordiais afectos de criança. Durante algum tempo, não teve consciência plena desse cordão umbilical que jamais poderia desfazer ou renegar, mas chegou inevitavelmente o dia em que o Fado começou a brotar como um jorro de água cristalina e incontrolável da sua voz verdadeiramente fadada para o Fado. Com efeito, o Fado surge na vida de Ana Guerra como algo de natural, de genético e imanente, de traço ontológico inalienável e irrecusável como a cor dos olhos ou o contorno dos lábios!…