Os grupos folclóricos surgiram em Portugal no princípio do séc. XX, com a finalidade de não deixar esquecer as tradições musicais e coreográficas do povo, que já por essa altura começavam a entrar em declínio nos seus locais de origem, as aldeias. Vários promotores desse movimento propunham a formação, nas aldeias, de ranchos de camponeses, aos quais se incutia o brio de conservar e executar as suas próprias cantigas e danças. O movimento folclórico cresceu e hoje existem grupos folclóricos por todo o país, nas aldeias, cilas e cidades.
A Rusga de S. Vicente é um grupo folclórico de Braga, da província do Minho, situada no Noroeste de Portugal. Formou-se em 1965 para celebrar com música e dança o Santo mais venerado em Braga. O S. João Baptista. Na noite dessa festa, é costume virem a Braga grupos de gente nova de todas as aldeias do concelho e concelhos vizinhos, bem como dos bairros da cidade, para tocarem, cantarem, dançarem, comerem e divertirem-se. Anos mais tarde, essa “rusga” (grupo espontâneo de tocadores e dançadores populares, que se dirigem a uma festa ou romaria) começou a ensaiar para se apresentar publicamente noutras ocasiões, como cerimónias civis, festas doutras regiões ou festivais de folclore.
Uma das características mais interessantes da Rusga de S. Vicente é o facto de ser herdeira directa e natural das tradições que reproduz nas suas actuações. Grande parte dos seus elementos viveu essas tradições ainda no seu estado natural, quando o povo cantava e bailava de forma espontânea. Alguns deles foram lavradores, quer nas freguesias do concelho, quer nas quintas ao redor da cidade. Outros, talvez a maioria, são filhos daqueles e, já nascidos na cidade, deles beberam os costumes e saberes tradicionais, sobretudo os cantos, e com eles também aprenderam as danças. Além dessa aprendizagem directa, este grupo soube fazer pesquisa nas povoações vizinhas de Braga, com o objectivo de formar um reportório músico-coreográfico representativo da sua região.
A Rusga de S. Vicente não se limita a ser um grupo de danças e de exibição de trajes, antes se dedica a múltiplas actividades ligadas às artes e tradições populares, que vamos descrever resumidamente. Antes de mais, a própria actividade de reposição e apresentação pública das antigas danças da sua região, com a sua base musical. Estas músicas e danças foram ensinadas por alguns dos seus elementos que ainda as recordavam dos seus tempos de juventude e por outras pessoas mais velhas, dos arredores, a quem recorreram para esse fim. Quanto aos instrumentos musicais, os mais característicos da província minhota são a “viola” (popular guitar with double strings), o “cavaquinho” (small popular guitar) e a “concertina” (acordeão diatónico). Do disco constam as danças mais características desta região, de que se destacam: malhão, vira, chula, cana verde – faixas 1, 4, 8, 10, 12, 14, 17, 20, 22, 24, 28, 30, 35 e 37.
A segunda faceta do trabalho etnográfico deste grupo folclórico é a matéria dos trajes. Os fundadores da “Rusga” sentiram desde o início a necessidade de melhorarem os trajes que ostentavam anualmente no desfile de S. João. Pediram fatos emprestados, remexeram as arcas velhas de amigos e familiares. Depois, começaram também a bordar e a fazer cópias dos trajes antigos, com muito pormenor e perfeição, como algumas fotografias documentam. Hoje, detêm um espólio valiosíssimo, que merecia figurar num museu regional de artes populares.
A Rusga de S. Vicente possui também um grupo de bombos, cabeçudos e gigantones, destinado a actuar na rua, em festas populares como o Encontro Internacional de Gigantones, que todos os anos se realiza em Braga.
Algumas das mulheres da Rusga formaram um coro para interpretarem cantos populares a duas e três vozes, que é uma riquíssima tradição polifónica da província do Minho. Estes cantos eram, ainda há poucos anos, próprios de certos trabalhos agrícolas, como as tarefas do linho e as desfolhadas do do milho, em que se juntavam muitos trabalhadores rurais e que terminavam geralmente com um baile popular. A estrutura polifónica destes cantos provêem da música eclesiástica e é hoje visível nos cantos populares profanos e também em certos cânticos religiosos populares extra-litúrgicos, de que se destacam os cantos de romaria. Do disco constam vários exemplos destes cantares populares polifónicos – faixas 3, 9, 15, 18, 21, 26, 33, 34 e 36.
Os elementos deste grupo folclórico têm mantido uma velha tradição da cidade de Braga: cantar os Reis Magos na noite de 5 de Janeiro e nas seguintes. Trata-se de cantar pelas ruas de porta em porta, saudando a chegada dos Reis Magos ao presépio de Belém. Antigamente pedia-se pão e chouriço para os rapazes depois comerem. Agora, o produto do peditório, em dinheiro, destina-se a custear as actividades do grupo folclórico. As gravações deste tipo de manifestação musical foram feitas ao vivo e constam do disco nas faixas 6, 13, 19, 27 e 31.
A uma outra tradição de Braga dedicou especial atenção a Rusga de S. Vicente: à queima de um boneco simbolizando o Carnaval. Trata-se de uma tradição existente em Portugal e noutros países europeus, que está ligada aos primitivos rituais de expulsão do Inverno. Algumas fotografias mostram o cortejo “fúnebre” dos acompanhantes do boneco e a posterior destruição deste pelo fogo.
Este grupo folclórico tem também no seu reportório, para apresentação pública, alguns pregões com que os vendedores ambulantes enchiam as ruas da cidade de Braga, alguns dos quais desaparecidos há poucos anos, outros há trinta ou quarenta. Seleccionámos para o disco apenas três deles: o pregão das sardinhas (faixa 7), das castanhas (faixa 16) e das peles de coelho (faixa 32).
Da voz de uma das mais velhas integrantes do grupo folclórico, registámos dois “romances”, género poético-musical de estrutura narrativa, descendente das canções medievais de gesta (tema guerreiro ou heróico), característico da Península Ibérica e correspondente à balada europeia. Um deles (faixa 5) conta a história de uma jovem que foi degolada por um cavaleiro e que, depois de encontrado o seu corpo pelos pastores, passou a ser adorada como santa pelo povo. O outro, (faixa 23) conta a história do regresso do marido depois de muitos anos de ausência na guerra, tema que é comum a toda a tradição europeia e que já vem da Grécia antiga. Da mesma velhinha, Maria da Conceição Ribeiro, gravámos também dois jogos infantis, que as crianças costumavam cantar na sua aldeia há cerca de 60 anos – faixas 11 e 29.
O ambiente das cinco últimas faixas do disco representa a referida romaria de S. João de Braga, em que o povo das redondezas se junta a 23 e 24 de Junho para celebrar o Santo, para cantar, dançar, comer e folgar. A faixa 37 foi gravada ao vivo nessa romaria.
O disco representa a realidade musical que encontrámos entre os elementos do grupo etnográfico “Rusga de S. Vicente”, desde 1998 a 2001, período de tempo em que efectuámos as gravações necessárias. É um grupo notável em todos os aspectos: musical, coreográfico, etnográfico e humano. O seu trabalho de pesquisa e o valor da representação das tradições músico-coreográficas da sua região granjearam-lhe enorme prestígio em Portugal e no estrangeiro e tornaram-no um símbolo de Braga e dos seus habitantes, que estimam, admiram e se revêem na “Rusga de S. Vicente”.
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